Quando a distração esconde um pedido de ajuda silencioso
Você já ouviu falar em TDAH, certo? Mas talvez não saiba que ele pode se manifestar de formas bem diferentes. Hoje vamos falar sobre o TDAH tipo inatento, aquele que não grita, não interrompe, não corre pelos corredores — mas vive com os pensamentos a mil, preso num mundo interno silencioso.
Essa é a criança que parece estar com a cabeça nas nuvens. Que está na sala, mas parece não estar. Que esquece o lápis, o recado, a pergunta. E por isso mesmo, passa despercebida. O TDAH inatento é o subtipo mais ignorado e subdiagnosticado, e muitas vezes só é identificado depois de muito sofrimento.
Enquanto os hiperativos são vistos, os desatentos são esquecidos. E o que parece calma, na verdade, é confusão mental. O que parece desinteresse, pode ser dificuldade real de manter o foco. E quando o diagnóstico não vem, o que cresce não é apenas o transtorno — é a culpa, a frustração e a baixa autoestima.
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Quando a desatenção não é só distração
Imagine a cena: uma criança está com o caderno aberto, mas os olhos estão fixos na janela. A aula segue, os colegas participam, mas ela… está em outro lugar. Ela não interrompe, não atrapalha, não causa confusão. Mas também não aprende, não se envolve, não interage.
É aí que começam os rótulos: “preguiçosa”, “distraída”, “desligada”. Ninguém percebe que por trás daquele silêncio existe um cérebro que luta para se manter presente. Essa criança não chama atenção — e exatamente por isso, não recebe atenção. Mas o sofrimento está lá, se acumulando em forma de insegurança, autocrítica e sentimento de inadequação.
Enquanto os adultos tentam conter os barulhentos, os silenciosos vão desaparecendo dentro de si. E esse desaparecimento não tem barulho, mas tem dor. O TDAH inatento não causa transtorno externo, mas corrói por dentro.
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O que é o TDAH tipo inatento?
Segundo o DSM-5, o TDAH se apresenta em três formas:
- Predominantemente hiperativo-impulsivo
- Predominantemente desatento (inatento)
- Tipo combinado (hiperativo + desatento)
No tipo inatento, os desafios estão mais no plano interno: falta de foco, dificuldade de organização, esquecimento frequente e lentidão para iniciar ou concluir tarefas. A criança até quer fazer, mas parece que a conexão entre a intenção e a ação se perde no caminho.
Os comportamentos mais comuns incluem:
- Se distrair com facilidade (até com o zumbido de uma mosca)
- Esquecer tarefas e objetos
- Demorar para começar qualquer atividade
- Não terminar o que começou
- Parecer que não está ouvindo
- Dificuldade com instruções em sequência
Tudo isso sem a agitação física clássica. E é por isso que o TDAH inatento é muitas vezes confundido com timidez, desinteresse ou lentidão. Quando na verdade, é o cérebro tentando funcionar sem os recursos adequados.
👧 Por que esse tipo é mais comum em meninas?
Durante décadas, os estudos sobre TDAH focaram em meninos — especialmente os hiperativos. As meninas que apresentavam sintomas mais sutis foram rotuladas de sonhadoras, emotivas, distraídas. Mas hoje se sabe que o tipo inatento é mais comum entre meninas, o que explica tantos diagnósticos tardios no público feminino.
Na prática, a menina com TDAH inatento:
- Vive no mundo da lua
- Esquece compromissos, instruções e materiais
- Tem dificuldade para organizar o tempo e as tarefas
- Desenvolve ansiedade para compensar falhas de atenção
- Faz um esforço imenso para parecer normal e agradar
E como ela não dá trabalho, não atrapalha ninguém e tira notas medianas, os sinais passam batido. Mas ela vai acumulando frustrações, dúvidas sobre si mesma e um sentimento profundo de inadequação.
📍Um estudo de 2019 mostrou que meninas com TDAH têm 50% menos chances de receber diagnóstico precoce em comparação aos meninos. Quando descobrem, muitas vezes já lidam com ansiedade, depressão e sentimento de fracasso.
💔 A dor silenciosa do diagnóstico tardio
Viver anos com TDAH inatento sem saber o porquê de tanta dificuldade é um peso invisível. A criança cresce achando que é “menos capaz”. Vai ouvindo: “Você é desligada”, “Precisa prestar mais atenção”, “Nunca termina nada”. E internaliza isso como identidade.
Com o tempo, essa criança vai acreditando que o problema é ela. Que não tenta o suficiente. Que nunca será boa o bastante. Essa culpa silenciosa é devastadora para a autoestima e prejudica todo o desenvolvimento escolar e emocional.
Na vida adulta, muitas mulheres descobrem o diagnóstico de TDAH inatento depois de uma vida inteira de frustrações. Exaustas por não conseguirem organizar rotinas, terminar projetos ou cumprir metas. E o que poderia ser tratado com empatia e apoio, virou cicatriz.
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Diagnóstico: como identificar o TDAH tipo inatento?
O diagnóstico é feito por profissionais como neuropediatras, psiquiatras infantis ou psicólogos especializados. É um processo que envolve entrevistas clínicas, observações comportamentais e, quando necessário, avaliação neuropsicológica.
Para que seja considerado TDAH tipo inatento, é necessário que a criança apresente pelo menos seis sintomas, por mais de seis meses, em dois ou mais contextos (como casa e escola), e que esses sintomas comecem antes dos 12 anos. Alguns dos critérios são:
- Não presta atenção a detalhes
- Dificuldade para manter a atenção
- Parece não escutar
- Não termina tarefas
- Não consegue organizar
- Evita atividades que exigem esforço mental
- Perde objetos
- Distrai-se com estímulos externos
- Esquece tarefas rotineiras
Mas atenção: distração ocasional não é TDAH. O que caracteriza o transtorno é a frequência, intensidade e prejuízo funcional.
O que os pais podem fazer?
Receber o diagnóstico é o primeiro passo. A partir daí, o apoio começa a fazer toda a diferença. E não estamos falando apenas de tratamento clínico — mas de ambiente acolhedor, rotina adaptada e valorização dos progressos reais.
1. Estabeleça uma rotina visual e clara
Use quadros com horários, ícones ou imagens para facilitar o entendimento do dia a dia. Quanto mais previsível, melhor o cérebro com TDAH funciona.
2. Instrua em etapas curtas
Dê uma orientação de cada vez. Use frases simples. Confirme se a criança entendeu.
3. Reforce os esforços, não apenas os resultados
Valorize tentativas. Isso fortalece a autoestima e cria motivação real.
4. Evite comparações
Cada criança é única. Comparar com irmãos ou colegas só aumenta a insegurança.
5. Cuide de você também
Famílias que acolhem também precisam ser acolhidas. Busque informação, apoio e espaços seguros para trocar experiências.
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Conclusão: Invisível, mas não menos real
O TDAH tipo inatento pode ser silencioso, mas isso não o torna menos desafiador. Crianças com esse subtipo aprendem a se calar antes de incomodar, a tentar sozinhas antes de pedir ajuda — e acabam se perdendo dentro de si.
Diagnosticar não é rotular. É libertar. É dar nome ao que antes era culpa. É abrir portas para o cuidado. E quando alguém olha com empatia para essa criança e diz: “Eu vejo você. E vamos caminhar juntos.” — tudo muda.
💛 Informação é cuidado. Escuta é amor. E quando o mundo entende isso, essas crianças deixam de sobreviver — e começam, finalmente, a florescer.
📌 Este conteúdo é educativo e informativo. Não substitui avaliação médica. Em caso de suspeita de TDAH, procure um profissional qualificado.
Sou redatora, educadora e eterna apaixonada pela arte de ensinar com o coração. Minha trajetória é feita de encontros: com a Pedagogia, com a Arte, com a Neuropsicopedagogia e, principalmente, com as histórias únicas de crianças e famílias que caminham fora dos trilhos tradicionais, mas que, mesmo assim, estão construindo pontes lindas rumo à inclusão.
Com especialização em Transtornos do Neurodesenvolvimento e um olhar atento à neurodiversidade, acredito que aprender vai muito além da mente. Envolve o corpo, os sentimentos, a criatividade e aquilo que não se vê nos boletins, mas pulsa forte na alma de cada criança.
Este blog nasceu do desejo profundo de informar, acolher e inspirar. Aqui, cada palavra é um convite à empatia, cada artigo é uma mão estendida, e cada tema traz luz sobre caminhos que podem e devem ser mais respeitosos, humanos e possíveis.
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