TDAH e Regulação Emocional: Quando o Mundo Interno é um Furacão

Adulto acolhendo criança com TDAH em crise emocional com empatia e afeto.

Quando o copo transborda com uma gota!

Imagine uma criança que acorda atrasada, perde o lápis favorito, derruba leite na roupa e, ao chegar na escola, chora desesperadamente porque… o lanche veio trocado.

Aos olhos de muitos adultos, isso é drama, frescura, birra, mas na realidade, isso pode ser TDAH e desregulação emocional e o que parece “exagero” é, muitas vezes, um cérebro sobrecarregado tentando lidar com mais do que consegue processar.

Por que o TDAH afeta as emoções?

O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja: afeta áreas específicas do cérebro que controlam a atenção, o comportamento, a organização e… sim, as emoções.

A principal área envolvida é o córtex pré-frontal, responsável por funções executivas como:

  • Planejamento
  • Inibição de impulsos
  • Flexibilidade mental
  • Controle emocional

Quando essa região não está funcionando como deveria, a criança:

  • Reage rápido demais (sem pensar)
  • Sente tudo com intensidade
  • Tem dificuldade para voltar ao estado de calma
  • Se frustra com mais facilidade
  • Interpreta mal expressões ou tons de voz

💡 Ou seja: ela não escolhe reagir assim, o cérebro dela simplesmente não dá conta de filtrar, pausar e processar tudo ao mesmo tempo.

Parece birra, mas é um pedido de socorro

Quantas vezes você já ouviu ou até pensou que aquela criança que grita, chora, se joga no chão ou se fecha no quarto está fazendo “drama”?

Agora, respira fundo e leia isso:

🧠 Um estudo publicado na Journal of Attention Disorders (2020) revelou que mais de 70% das crianças com TDAH apresentam dificuldades significativas na regulação emocional.

Ou seja: não é birra, é neurologia, é o cérebro da criança dizendo “eu não consigo lidar com isso agora”, mas sendo interpretado como:

  • Falta de educação
  • Manipulação emocional
  • “Frescura”
  • “Chantagem”
  • “Drama para chamar atenção”

E isso dói, na criança, que se sente incompreendida, nos pais, que não sabem o que fazer.
Dói na relação, que vai se desgastando a cada nova explosão.

Mas o que está acontecendo, de verdade, é que a criança está lutando contra um furacão interno de emoções, sem ferramentas para lidar com ele e, no meio da tempestade, ela precisa de uma âncora e não de um castigo.

O ciclo da desregulação: o que acontece por dentro?

Por fora, você vê uma explosão.
Por dentro… está acontecendo uma verdadeira guerra.

Entender o que se passa no cérebro da criança com TDAH durante uma crise emocional é essencial para acolher em vez de punir, orientar em vez de rotular.

Vamos visualizar esse ciclo como uma sequência que se repete com frequência, especialmente quando a criança ainda não tem as ferramentas para lidar com o que sente.

Etapa por etapa:

1. Um gatilho emocional acontece

Pode ser algo pequeno: uma contrariedade, uma palavra ríspida, um brinquedo quebrado, um pedido negado, mas para a criança com TDAH, esse pequeno evento pode gerar uma avalanche interna.

2. O cérebro reage com intensidade

Ao invés de ativar o “modo racional”, o cérebro vai direto para o “modo sobrevivência”:

  • Batimentos aceleram
  • Respiração muda
  • O corpo entra em alerta
  • A parte racional (córtex pré-frontal) sai de cena

Ela não consegue pensar antes de agir — apenas sente. Intensamente.

3. A criança explode ou implode

  • Grita
  • Chora
  • Joga coisas
  • Foge
  • Agride
  • Se isola
  • Entra em pânico

Cada criança reage de uma forma, mas todas estão tentando aliviar um desconforto emocional insuportável.

4. Recebe punição ou vergonha

Na tentativa de “ensinar”, os adultos costumam:

  • Brigar
  • Castigar
  • Gritar de volta
  • Ignorar
  • Envergonhar publicamente

Só que, ao invés de aprendizado, o que a criança absorve é mais dor emocional.

5. Sente culpa, frustração e vergonha

Passada a crise, vem o colapso.
A criança muitas vezes se arrepende, se envergonha e não entende por que fez aquilo mas não consegue prometer que “nunca mais vai acontecer”, porque nem ela sabe como evitar.

6. Tudo começa de novo

Sem ferramentas para interromper o ciclo, a próxima frustração vira um novo gatilho. E a criança começa a acreditar que ela é o problema.

Quebrar o ciclo é possível

Essa espiral emocional pode ser desfeita.
E a chave está no olhar do adulto que decide sair do papel de julgador e entrar no papel de guia.

  • Ao invés de “o que você fez?”, pergunte:

“O que você estava sentindo quando isso aconteceu?”

  • Ao invés de punir, ensine a nomear
  • Ao invés de reagir com raiva, mostre segurança emocional

Porque toda criança merece ser acolhida até aprender a se acolher sozinha.O ciclo da desregulação emocional

Vamos entender o que acontece por dentro, numa sequência que se repete como um looping emocional:

  1. A criança sente algo desconfortável — raiva, frustração, vergonha, medo
  2. O cérebro reage de forma intensa e imediata — sem tempo de pensar ou filtrar
  3. Ela explode — grita, chora, empurra, bate, ou se cala completamente
  4. Recebe bronca, punição ou vergonha pública — o comportamento é julgado, não acolhido
  5. Sente culpa, arrependimento e mais frustração — reforçando a ideia de que “ela é o problema”
  6. Tudo se repete na próxima situação emocional

Esse ciclo é exaustivo e não só para a criança, mas para toda a família, educadores e cuidadores.
Muitas vezes, os pais chegam ao limite tentando entender o que está “errado” — sem saber que a chave está justamente em olhar além do comportamento.

A boa notícia?

Esse ciclo pode ser quebrado.
Com conhecimento, estratégias, empatia e apoio, é possível ensinar a criança a reconhecer suas emoções, encontrar outras formas de se expressar e desenvolver ferramentas de autorregulação ao longo do tempo.

E quando isso acontece… algo mágico também muda no adulto:
Ele deixa de ver “birra” — e começa a ver um pedido de ajuda travestido de tempestade.

Como identificar a desregulação emocional no TDAH?

Nem toda criança com TDAH vai apresentar desregulação emocional da mesma forma, pois algumas explodem e outras implodem. Aqui vão alguns sinais comuns:

  • Reações intensas a frustrações pequenas
  • Dificuldade de se acalmar sozinha
  • Choro frequente, desproporcional
  • Raiva “do nada” e dificuldade em nomear o que está sentindo
  • Queda repentina de humor
  • Crises de descontrole seguidas de arrependimento

Esses comportamentos não são “mimimi”. São sinais claros de que a criança precisa de ajuda para aprender a regular seu mundo interno.

O que os pais podem fazer?

Nem sempre é fácil lidar com explosões emocionais de uma criança com TDAH.
Elas acontecem de forma repentina, intensa, e muitas vezes vêm sem aviso — ou explicação aparente.

Mas por mais que o comportamento seja difícil, a criança não está tentando ser difícil.
Ela está tentando comunicar o que sente… da única forma que consegue.

E é aí que entra o papel do adulto: ajudar a criança a construir ferramentas emocionais que ela ainda não tem.
Aqui vão estratégias que funcionam — e podem ser aplicadas com amor e constância.

1. Nomeie as emoções

Crianças não nascem sabendo o que é raiva, frustração ou decepção.
Elas sentem — mas não sabem dizer o que estão sentindo.

🔹 Em vez de dizer:

“Você precisa parar de gritar!”
🔸 Experimente:
“Eu vejo que você está muito frustrado. Vamos respirar juntos antes de conversar?”

Dar nome às emoções é o primeiro passo para a criança reconhecer e entender o que está vivendo por dentro.

2. Valide o sentimento, mesmo quando precisar corrigir o comportamento

Muitos adultos acham que validar é “passar a mão na cabeça”. Mas na verdade, é ensinar que sentir não é errado.

🔹 Em vez de:

“Não tem motivo pra tanto choro!”
🔸 Experimente:
“Eu entendo que isso te deixou triste. E tudo bem sentir assim. Vamos resolver juntos?”

Acolher a emoção não significa permitir tudo.
Significa mostrar que a emoção pode existir, mas o comportamento pode ser guiado com respeito.

3. Ensine pausas e estratégias de autorregulação

Ensinar a criança a pausar antes de reagir é um dos maiores presentes que você pode dar a ela.

Ferramentas simples e poderosas:

  • Respiração profunda (brinque de “cheirar a flor e apagar a vela”)
  • Cantinhos de calma com objetos sensoriais (almofadas, bolinhas, texturas)
  • Desenhos e livros que ajudem a externalizar o sentimento
  • Tocar música relaxante ou usar fones com sons suaves

Essas práticas ensinam que o corpo pode se acalmar antes da emoção tomar conta.

4. Reconheça o esforço (e não só o resultado

Crianças com TDAH vivem ouvindo que “precisam se controlar melhor”.
Então, quando elas tentam — mesmo que não consigam totalmente — isso merece ser valorizado!

Diga coisas como:

“Você conseguiu respirar antes de gritar. Que incrível!”
“Hoje você demorou menos pra se acalmar. Estou muito orgulhoso de você!”

Esses elogios reforçam positivamente o progresso, por menor que pareça.

5. Cuide da sua própria regulação emocional

Sim, é difícil manter a calma diante de uma crise.
Mas lembre-se: o adulto é o regulador externo da criança.

Se você grita, ela grita mais.
Se você desacelera, ela sente segurança.

Respirar fundo, se afastar por alguns segundos, pedir apoio… tudo isso é autocuidado e parte da criação de um ambiente emocionalmente seguro.

6. Busque apoio profissional

Você não precisa (e nem deve) fazer isso sozinho.

Terapias que podem ajudar:

  • Psicoterapia infantil com foco em emoções e comportamento
  • Terapia ocupacional com estratégias sensoriais
  • Terapia cognitivo-comportamental (TCC)
  • Orientação parental para construir novas respostas familiares

Profissionais especializados podem ajudar a construir um plano de apoio personalizado para sua família.

Dica final: transforme crises em oportunidades

Cada explosão é uma chance de ensinar, acolher, construir pontes e fortalecer vínculos.

Com paciência, apoio e informação, sua criança vai aprender que pode sentir sem se perder nas emoções.
E você também vai descobrir que pode educar sem se perder no cansaço.

Vocês vão juntos. Um passo de cada vez.

💛 Conclusão: emoções que precisam de espaço, não de castigo

Crianças com TDAH não querem machucar, manipular ou testar seus limites.
Elas só querem ser compreendidas. Querem respirar. Querem ser ouvidas.

Por trás do grito, do choro, da resistência ou do silêncio… existe uma criança sobrecarregada.
Um cérebro tentando se organizar num mundo que exige demais.
Um coração que sente tudo com intensidade, mas não sabe como colocar isso pra fora de forma “aceitável”.

Não é falta de esforço, é falta de ferramentas.

E quando a gente troca castigo por escuta, grito por acolhimento, crítica por orientação…
começamos a ensinar algo que nenhuma punição é capaz de ensinar:
Que as emoções são parte de quem somos e que existe espaço pra elas.

Porque criança nenhuma aprende a se regular emocionalmente sozinha.
Ela precisa de alguém que diga:

“Tá tudo bem sentir. Eu tô aqui com você.”

E é isso que transforma tudo.
Não é mágica. É presença.
Não é perfeição. É vínculo.
Não é controle. É conexão.

Você, que lê esse texto, já deu o primeiro passo: buscou entender.
E esse passo, por si só, já pode mudar uma vida.

📌 Este conteúdo tem caráter educativo e informativo. Em caso de dúvidas ou suspeita de TDAH, procure um profissional especializado.

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