O tempo escapa das mãos (e ninguém percebe)
“Ele demora horas pra se arrumar.”
“Ela não tem noção do tempo que perde fazendo coisas aleatórias.”
“Pedi só pra esperar um minutinho e foi como se o mundo tivesse desabado.”
Se você convive com uma criança com TDAH, essas frases provavelmente fazem parte da sua rotina. Mas o que muita gente não entende é que isso não é desobediência, nem má vontade.
👉 É o cérebro dela que percebe e processa o tempo de forma diferente. Simples assim — e profundamente transformador quando compreendido.
Por que crianças com TDAH têm tanta dificuldade com horários, prazos e esperas?
Imagine viver num mundo onde tudo acontece ao mesmo tempo: os sons são altos, os estímulos não param, as ideias surgem como pipoca na panela e, no meio desse caos interno, alguém diz:
“Você tem cinco minutos pra se arrumar.”
Cinco minutos? Para um cérebro com TDAH, isso pode ser tempo demais ou nenhum tempo.
O cérebro com TDAH percebe o tempo de forma diferente
No TDAH, há uma disfunção nas funções executivas. E uma das mais afetadas é a noção temporal.
Ou seja, a criança:
- Não consegue medir quanto tempo já passou;
- Não entende quanto tempo falta;
- Tem dificuldade de estimar o tempo necessário para concluir tarefas;
- Vive no “agora” ou “nunca”, sem meio-termo.
Isso gera conflitos como:
- Atrasos constantes;
- Dificuldade para cumprir prazos escolares;
- Impaciência extrema para esperar;
- Procrastinação crônica (porque tudo parece “rápido de fazer depois”).
💡 Quer entender melhor como as funções executivas influenciam no TDAH? Leia também: TDAH e Funções Executivas: O Que Ninguém Te Explicou
Tempo interno vs. tempo externo
O tempo externo — o do relógio, da agenda, do cronômetro — não conversa bem com o tempo interno da criança com TDAH.
Ela pode:
- Levar 40 minutos em algo que parecia levar 5;
- Dizer “já vou” e esquecer completamente;
- Ficar paralisada diante de uma tarefa por não saber por onde começar nem quanto tempo ela levará.
❗ Isso não é desinteresse. É confusão cerebral real.
O impacto da má percepção do tempo no comportamento e na autoestima da criança
Você pede com carinho:
“Filho, só falta meia hora pra escola, se arruma rapidinho, tá?”
Passam 25 minutos. Ele ainda está de pijama, brincando com uma tampa de caneta e com o caderno aberto na mesa…
O caos começa. A cobrança vem. E a criança se fecha — ou explode.
Parece desafio, desobediência, até provocação. Mas não é. É um cérebro tentando entender o que é “meia hora” — e falhando nisso.
Quando a criança “nunca consegue”, ela começa a acreditar que o problema é ela
Essa dificuldade com prazos e esperas afeta muito mais do que a rotina: afeta a identidade da criança.
Ela começa a ouvir (e repetir):
- “Você é atrasado.”
- “Você é enrolado.”
- “Você nunca presta atenção.”
- “Você é irresponsável.”
- “Você faz tudo errado.”
Isso se transforma em:
“Eu sou burro.”
“Eu sou bagunçado.”
“Eu sou menos que os outros.”
😔 O que era apenas uma diferença no processamento do tempo vira baixa autoestima, insegurança e medo de tentar.
E o comportamento muda também
A criança com dificuldade de percepção temporal pode:
- Se tornar ansiosa com tarefas que têm prazo;
- Evitar compromissos por medo de se atrasar ou esquecer algo;
- Agir com impulsividade por não conseguir “esperar a vez”;
- Se paralisar diante de múltiplas etapas (“é muita coisa!”).
E tudo isso, sem apoio e sem entendimento, vira um ciclo de frustração e punição.
💛 A boa notícia? Esse ciclo pode ser quebrado. Com empatia e estrutura.
Leia também: TDAH e Regulação Emocional: Parece Birra, Mas É um Pedido de Socorro
Como ajudar a criança com TDAH a entender e lidar melhor com o tempo
Crianças com TDAH não nascem sabendo como o tempo funciona — mas podem aprender, desde que a gente ensine de um jeito que faça sentido pra elas.
👉 Não adianta dizer: “Você tem 10 minutos!” se ela não consegue visualizar o que são 10 minutos. Essa frase vira só barulho.
O segredo é tornar o tempo visível, palpável e previsível.
1. Use timers visuais
Relógios comuns não funcionam bem com crianças com TDAH. Mas timers visuais, como ampulhetas, cronômetros com cor (ex: Time Timer) ou apps com barras de progresso, ajudam muito.
💡 Combine o timer com uma tarefa específica:
“Quando a parte vermelha acabar, você vai escovar os dentes, ok?”
2. Crie rotinas com apoio visual
Use quadros de rotina com:
- Ícones simples;
- Fotos da própria criança;
- Sequências fixas (ex: vestir → café da manhã → escovar → mochila → sair).
🔁 A repetição ajuda o cérebro a criar uma memória visual do tempo.
3. Divida o tempo em “blocos de ação”
Crianças com TDAH se perdem com tarefas longas.
Exemplo: “Fazer lição de casa” vira um monstro gigante.
💡 Divida:
- Ler a primeira questão (5 min);
- Escrever a resposta (5 min);
- Pausa rápida (2 min);
- Voltar para a próxima.
Esses microprazos evitam sobrecarga.
4. Use linguagem concreta sobre o tempo
Evite:
- “Você está demorando demais”
- “Anda logo!”
- “Já passou um tempão!”
Prefira:
“Você tem 3 músicas do Spotify pra escovar os dentes.”
“Quando esse ponteiro chegar aqui, a gente desliga a TV.”
🧠 Transforme o tempo em algo que a criança possa ver, ouvir ou contar.
5. Ensine a esperar com mini jogos
Esperar pode ser divertido e treinável, se feito com empatia.
Use:
- Contadores regressivos (10, 9, 8…);
- Desafios do tempo (ex: “vamos ver se conseguimos ficar 1 minuto em silêncio como estátua?”);
- Kits de espera com itens sensoriais (massinha, bolinha, livrinhos).
🔗 Leia também: Técnicas de Autorregulação no TDAH
Conclusão: Ver o tempo com os olhos do coração
Enquanto os adultos contam o tempo em minutos, a criança com TDAH sente o tempo no corpo, no ritmo da mente, no caos dos pensamentos.
Ela não está atrasada de propósito, nem enrolando, nem te desafiando. 👉 Ela só não percebe o tempo do mesmo jeito que você. E quando a gente entende isso, tudo muda.
A gente para de gritar, começa a guiar.
Troca frustração por estratégia.
Transforma cobrança em construção.
Porque quando a criança vê o tempo, ela vê a si mesma.
E quando é compreendida no seu ritmo, ela floresce. 🌱
Ela aprende a organizar, não porque foi forçada, mas porque foi ensinada com amor.
Aprende a esperar, não por medo, mas porque teve companhia.
E aprende a viver no presente, com menos culpa e mais confiança.
💛 E você, adulto cuidador, educador, pai ou mãe…
Descobre que acompanhar no tempo certo é a maior forma de amar uma criança neurodivergente.
📌 Este conteúdo é educativo e informativo. Em caso de dúvidas ou suspeita de TDAH, procure um profissional de saúde qualificado.
Sou redatora, educadora e eterna apaixonada pela arte de ensinar com o coração. Minha trajetória é feita de encontros: com a Pedagogia, com a Arte, com a Neuropsicopedagogia e, principalmente, com as histórias únicas de crianças e famílias que caminham fora dos trilhos tradicionais, mas que, mesmo assim, estão construindo pontes lindas rumo à inclusão.
Com especialização em Transtornos do Neurodesenvolvimento e um olhar atento à neurodiversidade, acredito que aprender vai muito além da mente. Envolve o corpo, os sentimentos, a criatividade e aquilo que não se vê nos boletins, mas pulsa forte na alma de cada criança.
Este blog nasceu do desejo profundo de informar, acolher e inspirar. Aqui, cada palavra é um convite à empatia, cada artigo é uma mão estendida, e cada tema traz luz sobre caminhos que podem e devem ser mais respeitosos, humanos e possíveis.
Seja bem-vindo ao Infância Divergente. Um espaço feito para quem acredita que toda criança merece ser compreendida, valorizada e celebrada do jeitinho que ela é.