Quando o apoio a um filho mexe com o coração do outro!
A dislexia, como transtorno específico da aprendizagem, demanda um cuidado contínuo — não apenas nas questões pedagógicas, mas também no campo emocional e relacional. Famílias que acolhem uma criança com dislexia muitas vezes se veem mobilizadas por atendimentos, reuniões escolares, estratégias adaptativas e estímulos diversos. E nesse redemoinho de atenção necessária, é comum que o irmão sem o transtorno sinta que está ficando em segundo plano.
Esses sentimentos não são sinônimo de egoísmo ou má vontade — eles são, na verdade, pedidos silenciosos de atenção, de validação emocional. O irmão observa as diferenças, nota as concessões, escuta os elogios às pequenas conquistas do outro, e mesmo sem entender, sente. Muitas vezes, surge a comparação interna: “Se eu errasse, me cobrariam mais” ou “Ele ganha elogio por fazer o básico, e eu nem sou notado quando acerto”. Essa ferida invisível pode se transformar em ciúmes, competição ou retraimento afetivo.
É aí que mora o maior desafio da inclusão familiar verdadeira: equilibrar as necessidades específicas da criança com dislexia com o direito emocional do outro filho de também ser visto, ouvido e amado em sua totalidade. A justiça, nesse contexto, não está em dividir amor igualmente, mas em oferecer presença real e proporcional às necessidades de cada um. O cuidado com um não deve anular o cuidado com o outro e sim convidar toda a família a crescer em afeto, respeito e empatia mútua.
Construir um ambiente familiar saudável envolve, acima de tudo, a capacidade de validar os sentimentos de todos, sem minimizar dores ou criar hierarquias afetivas. A dislexia pode ser um desafio individual, mas seu impacto é coletivo. Reconhecer isso é o primeiro passo para transformar o lar em um espaço de pertencimento genuíno, onde cada filho se sinta essencial, respeitado e amado do jeitinho que é.
Quando um filho precisa de mais apoio do que o outro
Na convivência familiar, é natural que cada filho demande atenção em tempos diferentes. Mas quando há dislexia diagnosticada, esse equilíbrio pode ser facilmente abalado. Crianças com dislexia geralmente precisam de mais tempo para realizar atividades escolares, suporte constante de professores e especialistas, além de um olhar emocional atento diante das frustrações que surgem no dia a dia escolar. Essas demandas são legítimas e precisam ser atendidas. No entanto, é justamente nesse ponto que o desafio aparece: como apoiar um filho sem deixar o outro invisível?
O irmão sem dislexia pode parecer forte, independente, “resolvido”. Mas por trás do silêncio, muitas vezes existe um universo de sentimentos não verbalizados: ciúmes, comparações, sensação de injustiça. Enquanto toda a rotina gira em torno de tarefas, consultas, reuniões escolares e estratégias para ajudar quem tem o transtorno, o outro pode começar a sentir que ocupa um lugar menor na dinâmica familiar. E esse sentimento, mesmo que não seja dito em voz alta, vai crescendo, como um nó no peito.
É nesse contexto que surgem comportamentos como birras inesperadas, rejeição ao irmão, queda no rendimento escolar ou até uma tentativa de se tornar “perfeito” para chamar atenção. Esses sinais, muitas vezes mal interpretados como “manha” ou “drama”, são na verdade formas legítimas de pedir presença. O filho que não tem dislexia também precisa ser visto, ouvido e validado por quem ele é, sem que sua dor precise competir com a do outro.
Por isso, o papel dos pais é fundamental. Não se trata de dividir o amor em partes iguais, mas de multiplicá-lo de forma inteligente e sensível, reconhecendo as necessidades de cada um, sem colocar ninguém no papel de “mais difícil” ou “mais fácil”. A verdadeira inclusão começa dentro de casa, quando cada filho sente que tem um lugar seguro, justo e inteiro no coração da família.
Sinais de alerta para os pais
Quando um filho demonstra comportamentos atípicos ou mudanças emocionais bruscas, o coração da família precisa escutar com atenção. Em lares onde há uma criança com dislexia, é comum que os irmãos, mesmo amando profundamente, sintam-se deixados de lado em certos momentos. E essa percepção pode gerar reações inesperadas. Estar atento aos sinais emocionais de alerta é essencial para evitar que pequenos incômodos se transformem em grandes feridas afetivas.
Algumas frases, como “Você gosta mais dele(a) do que de mim” ou “Se eu tivesse dislexia, você me ajudaria mais?”, são verdadeiros sinais verbais de carência afetiva. Essas declarações, embora dolorosas de ouvir, revelam uma tentativa de se reconectar com os pais, de buscar o olhar que talvez tenha se desviado involuntariamente por conta das demandas do irmão com necessidades específicas. Em paralelo, uma queda repentina no desempenho escolar também pode indicar que a criança está lidando com questões emocionais mais profundas do que parece.
Outros sinais sutis, porém igualmente importantes, incluem crises de raiva aparentemente sem motivo, comportamentos de autoexigência exagerada (como o desejo constante de ser o “filho perfeito”), e até a recusa em brincar, conviver ou dividir espaço com o irmão que tem dislexia. Esses comportamentos não são birra, inveja ou egoísmo. São formas indiretas de dizer: “Eu também preciso de você”.
Ao reconhecer esses alertas com empatia, os pais podem agir com acolhimento e equilíbrio. Ignorar ou minimizar essas manifestações pode gerar distanciamento emocional, competição entre irmãos e sensação de rejeição. Por outro lado, enxergar cada comportamento como um pedido silencioso de afeto permite que a relação familiar se fortaleça, promovendo pertencimento, segurança emocional e harmonia entre os irmãos. Afinal, toda criança precisa e merece ser vista com a mesma profundidade de amor.
Por que o irmão sem dislexia também sofre?
Em muitas famílias, o filho que não tem dislexia é percebido como o “fácil”, o “independente”, o que “não dá trabalho”. E é justamente essa imagem que pode se tornar uma armadilha emocional. A criança sem o transtorno passa a assumir silenciosamente o papel de quem precisa estar sempre bem, o que, ao longo do tempo, pode gerar sobrecarga afetiva, sensação de injustiça e sofrimento invisível.
Esse irmão, por parecer funcional e autônomo, costuma ser poupado dos olhares atentos, das conversas profundas e até da escuta genuína. E, assim, acaba carregando pressões não verbalizadas, como a de manter boas notas, ser o exemplo, ou evitar problemas para não “dar trabalho” aos pais. Em muitos casos, sente culpa por aprender com facilidade, por entender o conteúdo logo de primeira, enquanto observa o irmão com dislexia lutando com a leitura, a escrita ou o raciocínio verbal.
Além disso, existe o medo sutil, mas poderoso, de parecer egoísta ou insensível por desejar um pouco mais de atenção. Essa criança pode até reprimir seus próprios sentimentos para “não causar mais um problema”. Isso gera uma dor silenciosa: a dor de não se sentir visto com a mesma intensidade. A sensibilidade vira silêncio, e o silêncio vira afastamento.
É fundamental entender que toda criança precisa ser validada em sua individualidade, com ou sem diagnóstico. Ser irmão de uma criança com dislexia não significa ser menos importante. Pelo contrário, o equilíbrio emocional da família depende de reconhecer que cada filho possui suas necessidades únicas de amor, presença e escuta ativa. O filho “sem dificuldades” também precisa e merece cuidado.
Como equilibrar amor, atenção e apoio entre irmãos
Manter o equilíbrio emocional na família quando há uma criança com dislexia exige mais do que organização prática, exige um cuidado emocional intencional. A criança que não tem dislexia também precisa ser acolhida, não por falta, mas por direito. Amor compartilhado não se divide, se multiplica e para isso, é preciso ajustar o foco e a escuta, todos os dias.
1. Evite comparações, mesmo as bem-intencionadas
Frases como “Seu irmão tenta mais do que você” ou “Ela se esforça mesmo com dificuldade” podem parecer inofensivas, mas alimentam ciúmes, insegurança e rejeição emocional. Em vez de comparar, reforce o valor individual:
💬 “Cada um de vocês tem desafios e qualidades únicas. E estou aqui para apoiar todos vocês.”
A comunicação afetiva e justa fortalece a autoestima e reduz disputas emocionais silenciosas.
2. Crie momentos exclusivos com cada filho
Mesmo que curtos, esses momentos comunicam uma mensagem poderosa: “Você também importa”. Pode ser uma conversa durante o jantar, um passeio no quarteirão ou um jogo no celular. O importante é que esse tempo seja só dele, sem interferências, sem distrações, com total presença afetiva. Essa prática diária fortalece o vínculo familiar e equilibra a atenção percebida.
3. Inclua o irmão nas rotinas, sem sobrecarregá-lo
Convidar o irmão para participar das atividades pode ser uma ponte de empatia, desde que o papel dele não seja o de “tutor” ou “responsável”. Boas ideias incluem:
- Escolher livros para a hora da leitura
- Ajudar a montar jogos de letras
- Participar da organização da rotina visual da casa
🔔 Evite delegar tarefas que gerem culpa ou pressão, como “vê se ele está fazendo o dever” ou “cuida do seu irmão enquanto termino algo”. Isso pode gerar ressentimento e sentimento de injustiça.
4. Acolha os sentimentos, sem julgamento
Se o irmão expressar ciúmes, tristeza ou frustração, não desvalorize com frases como “Mas você não tem motivo pra isso”. Valide com empatia:
💬 “Eu entendo que, às vezes, parece que dou mais atenção ao seu irmão. Mas saiba que você é igualmente importante pra mim. Quero muito saber o que você sente.”
A validação emocional é uma ferramenta poderosa para criar espaço de escuta verdadeira — e ela ensina a criança a confiar em seus próprios sentimentos.
5. Celebre os talentos individuais de cada um
Ao invés de focar nas dificuldades, cultive um olhar atento para as potências de cada filho. Elogie com frequência:
- A criatividade de um
- O senso de humor do outro
- A empatia, coragem ou persistência
Esses reconhecimentos constroem uma identidade segura e fazem com que nenhum filho se sinta “à sombra” do diagnóstico do outro.
Amor não se mede, se demonstra
Na convivência com a dislexia, a família inteira é convidada a crescer. Aprende-se sobre empatia, escuta ativa e sobre a importância de ajustar a rota para que todos possam caminhar juntos. A criança com dislexia precisa de estratégias e apoios específicos. Mas seus irmãos precisam de algo igualmente vital: espaço para existir como são, sem comparação, sem cobrança exagerada, e com amor pleno.
📌 O equilíbrio familiar começa quando todos se sentem vistos, reconhecidos e valorizados — pelo que são, e não pelo que enfrentam.
💛 Conclusão: Quando cada filho é visto, a família inteira floresce
Lidar com a dislexia e irmãos não é uma equação exata, é uma dança delicada entre amor, escuta e ajustes diários. Às vezes, o filho com dislexia grita por ajuda. Outras vezes, é o irmão em silêncio que precisa ser ouvido. E quando a gente aprende a perceber isso, a casa deixa de ser um campo de comparação e se transforma em um ambiente de pertencimento real.
Talvez você tenha se reconhecido neste texto. Talvez tenha lembrado de alguma frase, de um olhar ou de um momento em que tentou acertar, mas saiu com a sensação de que falhou. Respira. Você não está sozinho(a). A sua intenção de aprender e buscar um caminho mais justo já é uma forma linda de amar.
Aqui no Infância Divergente, acreditamos que informação de qualidade transforma relações. Que todo filho merece ser visto além dos rótulos. E que a dislexia, quando acolhida com empatia, deixa de ser um peso e passa a ser só mais uma das muitas formas de existir no mundo.
📌 Se este conteúdo tocou o seu coração, compartilhe com outras famílias. Você pode ser a ponte que transforma o olhar de alguém.
E se quiser continuar nessa jornada de amor, inclusão e compreensão, confira os outros artigos do nosso blog cada um deles foi escrito pra te abraçar e caminhar com você. 💛
🔗 Explore também:
👉 Inclusão Escolar e Dislexia: 10 Boas Práticas para Apoiar de Verdade
👉 Dislexia Não É Preguiça: O Que Toda Escola Precisa Saber
👉 Quando a Leitura Machuca: Sinais Precoce de Dislexia na Infância
Juntos, podemos construir uma infância mais leve, mais respeitosa — e mais verdadeira para todos os irmãos. 🌱
Sou redatora, educadora e eterna apaixonada pela arte de ensinar com o coração. Minha trajetória é feita de encontros: com a Pedagogia, com a Arte, com a Neuropsicopedagogia e, principalmente, com as histórias únicas de crianças e famílias que caminham fora dos trilhos tradicionais, mas que, mesmo assim, estão construindo pontes lindas rumo à inclusão.
Com especialização em Transtornos do Neurodesenvolvimento e um olhar atento à neurodiversidade, acredito que aprender vai muito além da mente. Envolve o corpo, os sentimentos, a criatividade e aquilo que não se vê nos boletins, mas pulsa forte na alma de cada criança.
Este blog nasceu do desejo profundo de informar, acolher e inspirar. Aqui, cada palavra é um convite à empatia, cada artigo é uma mão estendida, e cada tema traz luz sobre caminhos que podem e devem ser mais respeitosos, humanos e possíveis.
Seja bem-vindo ao Infância Divergente. Um espaço feito para quem acredita que toda criança merece ser compreendida, valorizada e celebrada do jeitinho que ela é.