Imagine que o cérebro da criança é como uma central de comando de um avião. Tudo precisa ser coordenado: atenção, memória, controle dos impulsos, planejamento… Agora, imagine que o piloto desse avião ainda está em treinamento. É assim que funciona o cérebro das crianças — especialmente nos primeiros anos de vida. E quem comanda essa cabine são as funções executivas, um conjunto de habilidades cognitivas essenciais para o aprendizado e o comportamento.
Neste artigo, você vai entender, de forma leve e acessível, o que são essas funções, como elas se desenvolvem, por que são tão importantes e o que podemos fazer — em casa e na escola — para ajudar crianças que enfrentam dificuldades nessa área. E tudo isso com base na neurociência mais atual.
Este conteúdo é informativo e educacional. Não substitui uma avaliação médica ou psicológica. Consulte sempre um profissional especializado para orientações específicas.
O que são funções executivas?
As funções executivas são um conjunto de habilidades mentais que usamos para controlar nossos comportamentos, emoções e pensamentos. Elas nos ajudam a planejar, organizar, tomar decisões, prestar atenção, lembrar informações e resistir a impulsos.
Em outras palavras: são como o “gerente” do cérebro.
Essas funções estão localizadas principalmente no córtex pré-frontal, uma das últimas áreas do cérebro a se desenvolver por completo — o que só acontece por volta dos 25 anos de idade. Sim, você leu certo! Por isso, é tão importante ter paciência com os pequenos: o cérebro deles ainda está “em construção”.
As três principais funções executivas
A neurociência divide as funções executivas em três principais áreas:
1. Controle inibitório
É a habilidade de controlar impulsos, resistir a distrações e pensar antes de agir. Quando uma criança grita sem pensar, bate no coleguinha ou não consegue esperar a vez no jogo, pode estar com dificuldades nessa área.
2. Memória de trabalho
É a capacidade de guardar informações temporariamente e usá-las. Por exemplo, seguir instruções como “pegue o caderno, vá até a mesa e abra na página 15” exige memória de trabalho.
3. Flexibilidade cognitiva
É a habilidade de mudar de estratégia, adaptar-se a regras novas ou lidar com situações inesperadas. Crianças com dificuldade nisso tendem a ficar frustradas com mudanças ou insistir em uma única forma de fazer algo.
Por que isso importa tanto no desenvolvimento infantil?
As funções executivas são fundamentais para que a criança:
- Aprenda com eficiência (ela precisa focar, lembrar o que foi dito e controlar distrações)
- Se relacione bem socialmente (esperar a vez, respeitar regras, lidar com frustrações)
- Resolva problemas (pensar em soluções e ajustar estratégias)
- Desenvolva autonomia (organizar o material escolar, seguir rotinas)
Quando essas funções estão comprometidas, mesmo que levemente, o impacto pode ser grande na vida da criança, tanto em casa quanto na escola.
Quando as funções executivas falham
Dificuldades nas funções executivas são muito comuns em crianças neurodivergentes, como as que têm TDAH, TEA (Transtorno do Espectro Autista), dislexia, entre outros transtornos do neurodesenvolvimento.
Por exemplo:
- Crianças com TDAH geralmente apresentam déficits no controle inibitório e na memória de trabalho.
- Crianças autistas podem ter dificuldades com a flexibilidade cognitiva.
- Crianças com dislexia costumam apresentar sobrecarga na memória de trabalho durante a leitura.
Mas essas dificuldades não são exclusivas de diagnósticos clínicos, crianças neurotípicas também podem ter fases de desenvolvimento em que essas funções ainda estão amadurecendo.
Quando tudo parecia bagunça, era o cérebro pedindo ajuda
Letícia, mãe do Pedro de 6 anos, começou a perceber que ele “vivenciava o mundo em modo turbo”. Não conseguia esperar a vez, esquecia o que precisava fazer, se frustrava com qualquer mudança de plano. A escola sugeriu uma avaliação neuropsicopedagógica. O laudo: imaturidade no desenvolvimento das funções executivas.
Ao invés de rotular, Letícia passou a entender o cérebro do filho como um músculo que precisa de treino. Ela adaptou rotinas visuais, começou a dividir tarefas em etapas, usou jogos que trabalham atenção e memória. Em seis meses, Pedro começou a demonstrar mais autocontrole, conseguia esperar a vez e até lembrar instruções simples.
O que mudou? O olhar. A compreensão de que por trás do “comportamento difícil”, havia uma imaturidade cerebral — e não desobediência.
Como fortalecer as funções executivas em casa e na escola
A boa notícia? As funções executivas podem e devem ser estimuladas!
Aqui vão estratégias práticas baseadas em neurociência:
1. Crie rotinas previsíveis
A previsibilidade ajuda o cérebro da criança a se organizar. Use quadros visuais, checklists ou cartões com etapas das atividades.
2. Divida tarefas em passos menores
Evite comandos longos e complexos. Dê instruções curtas e claras. Exemplo: “Agora vamos guardar os brinquedos. Depois lavamos as mãos.”
3. Use jogos que estimulem atenção e memória
Jogos como “Genius”, “Memória”, “Simon diz” e quebra-cabeças são excelentes aliados.
4. Modelagem de comportamento
Mostre, com palavras e atitudes, como controlar emoções e pensar antes de agir.
5. Trabalhe com timers e recompensas visuais
Use relógios visuais ou contagens regressivas para ajudar a criança a entender o tempo e controlar impulsos.
6. Estimule a linguagem interna
Ajude a criança a “pensar em voz alta” ao resolver problemas, até que consiga fazer isso mentalmente. Ex: “Primeiro eu vou pegar o caderno… agora a caneta… agora escrevo o nome…”
O papel da escola nesse processo
Professores que compreendem o funcionamento do cérebro infantil conseguem ajustar expectativas e práticas pedagógicas. Algumas sugestões incluem:
- Planejar atividades com passos claros
- Usar pistas visuais e lembretes
- Oferecer pausas sensoriais durante as aulas
- Evitar punições que culpabilizem a criança por algo que ela ainda não consegue controlar
Uma escola que acolhe o tempo do cérebro é uma escola que ensina com mais humanidade.
Conclusão: O cérebro da criança precisa de tempo, treino e ternura
Compreender as funções executivas é um passo fundamental para acolher o desenvolvimento infantil com mais empatia e eficácia, cada criança tem seu tempo — e isso não significa que ela não vai chegar lá, só que talvez o caminho dela seja diferente.
Quando os adultos entendem isso, deixam de buscar “conserto” e passam a oferecer suporte porque criança não é para funcionar igual a adulto, criança é para aprender, experimentar, errar e tentar de novo, com um cérebro ainda em construção, mas cheio de potência.
E lembre-se: se você suspeita que seu filho ou aluno possa ter dificuldades importantes nessas funções, procure uma equipe multidisciplinar especializada. O diagnóstico precoce e a intervenção adequada podem mudar completamente o percurso da criança.
Sou redatora, educadora e eterna apaixonada pela arte de ensinar com o coração. Minha trajetória é feita de encontros: com a Pedagogia, com a Arte, com a Neuropsicopedagogia e, principalmente, com as histórias únicas de crianças e famílias que caminham fora dos trilhos tradicionais, mas que, mesmo assim, estão construindo pontes lindas rumo à inclusão.
Com especialização em Transtornos do Neurodesenvolvimento e um olhar atento à neurodiversidade, acredito que aprender vai muito além da mente. Envolve o corpo, os sentimentos, a criatividade e aquilo que não se vê nos boletins, mas pulsa forte na alma de cada criança.
Este blog nasceu do desejo profundo de informar, acolher e inspirar. Aqui, cada palavra é um convite à empatia, cada artigo é uma mão estendida, e cada tema traz luz sobre caminhos que podem e devem ser mais respeitosos, humanos e possíveis.
Seja bem-vindo ao Infância Divergente. Um espaço feito para quem acredita que toda criança merece ser compreendida, valorizada e celebrada do jeitinho que ela é.